quarta-feira, 14 de julho de 2021

[Tradução] A história da Viagem de LSD de Michel Foucault

                                                                  A HISTÓRIA DA VIAGEM DE LSD DE FOUCAULT

                                                                                           por Mitchell Dean e Daniel Zamora

                                                                                                     [tradução de Tereza Uirapuru]


Na primavera de 1975, Michel Foucault começava a reivindicar seu posto como grande intelectual francês do século vinte. Ele estava prestes a publicar o primeiro volume do trabalho que agarraria esse rótulo para si, “História da Sexualidade”. De saco cheio da conformista e enrustida cultura francesa da época, ele procuraria novamente refúgio em outros lugares, continuando um padrão de sua vida adulta que o havia levado para a Suécia, Polônia e depois Tunísia, onde viveu maio de 68. Ele ficou tão tomado pela atmosfera libertária de São Francisco que ponderou emigrar e virar californiano.  Parece então que Foucault se apaixonou pela Califórnia. Foi lá que o austero pensador anti-humanista dos anos 60, que havia proclamado a “morte do homem” em aberta hostilidade à filosofia de liberdade de Jean Paul Sartre, experimentaria, durante a década final da sua vida, novas formas de relatar aos outros e se reinventar, nos clubes de São Francisco. 

É dito que foi lá também que ele se tornou o “último homem” a tomar LSD (ácido lisérgico). Foucault descreveu o evento como uma “experiência grandiosa, uma das mais importantes da minha vida.” Ainda que o filósofo francês só muito tarde na vida tenha feito experimentos com alucinógenos, enquanto muitos outros depois “dropariam ácido” (assim eram chamadas as “viagens” pessoais desse tipo), seu apogeu cultural aconteceu no fim dos anos 60, e, nesse sentido, Foucault foi o “último homem” intelectual conhecido da época a tomar LSD na primeira onda coletiva do seu uso como uma substância de expansão da consciência. Ele havia sido precedido por Timothy Leary, Aldous Huxley, Allen Ginsberg e muites outres. Dropar ácido era o que fazia a juventude que experenciava a contracultura no fim dos anos 60 na Califórnia. Entre 1964 e 1966, o escritor Ken Kesey e sua trupe “Merry Pranksters” viajaram pelos Estados Unidos em um ônibus psicodélico, parando regularmente pra organizar festas de LSD. Estes “testes com ácido” seriam o salto para o surgir da geração beat e do movimento hippie nos anos seguintes. Sem dúvida o LSD e outros psicodélicos continuaram sendo usados, com variações e às vezes prevalências, mas nunca mais o ácido lisérgico, e a experiência trazida por ele, definiu cultura, arte, moda e estética  num  geral  como o fez no fim dos anos 60.

As suas qualidades de alteração da percepção foram concebidas na época em parte como profunda autoanalise e psicoterapia e em parte como experiência religiosa intensa. Timothy Leary fundaria até mesmo uma igreja, a “League for Spiritual Discovery” (liga para a descoberta espiritual) que tinha o LSD como sacramento, e o próprio Foucault concorda que a experiência foi “mística”, oferecendo a ele “visões de uma nova vida” e “uma perspectiva renovada” de si mesmo.

              Alguns meses depois, em uma carta à Simeon Wade, o jovem acólito que o havia convidado a tomar a substância, Foucault escreveu que a experiência o havia levado a reescrever inteiramente o primeiro volume de “História da Sexualidade”. Ele deixou de lado centenas de páginas já prontas, jogou o segundo volume inteiro no fogo e então abandonou os rascunhos do trabalho de múltiplos volumes. Com exceção do primeiro volume, que se tornou um manifesto para o emergente movimento queer na Califórnia e em outros lugares, nenhum dos outros volumes foi publicado em sua forma inicial. 

               Foucault foi até a “Claremont Graduate School” no sul da Califórnia durante a primeira das várias visitas de pesquisa que fez à Berkeley. Dada a natureza relativamente obscura da instituição, sua presença só pode dever-se à insistência de Wade, o autor de uma fanzine independente chamada Chez Foucault. Foucault é retratado lá com seu suéter branco e óculos de sol branco de aros amplos que o faziam parecer uma mistura de Kojak com Elton John.

Acompanhado por seu amor e companheiro, o pianista Michael Stoneman, Wade levaria Foucault a uma jornada que culminou na viagem de ácido em “Zabriskie Point”, no “Death Valley” (Vale da Morte), os remanescentes desérticos de um lago que secou há 5 milhões de anos atrás. O celebrado cineasta italiano, M. Antonioni, havia começado a filmar ali seu clássico californiano, Zabriskie Point, em 1968, tendo como pano de fundo os protestos des estudantes, o movimento des Panteras Negras, cultura psicodélica e liberação sexual. Seu filme incluía uma orgia no local. Em maio de 1975, podemos supor que era menos um evento de vanguarda estética que um clichê hippie dropar ácido lá. Ao menos o trio encontrou uma trilha sonora mais sofisticada para seus devaneios que Antonioni, substituindo Pink Floyd e Grateful Dead por fitas de Richard Strauss, Stockhausen e Pierre Boulez. Foucault tomou ácido nos espasmos finais de um período em que o LSD era considerado “exercício espiritual”, e que logo foi substituído pelo empreendedorismo movido à cocaína das discos e boates do fim dos anos 70.

O efeito em Foucault foi profundo. Ele inclusive alteraria radicalmente a direção de suas pesquisas nos anos seguintes. 

Quando ele finalmente publicou o segundo e o terceiro volumes da História da Sexualidade quase oito anos depois, o projeto colocou como central as “técnicas do self” que ele havia descoberto na ética da grécia clássica e da roma antiga. Ao invés de estudar a sexualidade através dos paradoxos de repressão e confissão herdados do cristianismo, ele insere na reflexão as múltiplas e diferentes maneiras que os humanos podem ver a si mesmos, governar a si mesmas, e como buscam os humanos moderar, controlar ou liberar, dependendo do caso, o que é considerado como prazeres, desejos ou tentações da carne. O que chamam “sexualidade” não seria mais vista como uma verdade profunda a ser descoberta interiormente ou inconscientemente, como Freud acreditava. é simplesmente mais um caminho em que nos reinventamos como seres humanos em relação com o erotismo, o lar e a família, o dia a dia e a ética.

Dada a sua relatividade histórica, e suas relações com a cultura confessional do cristianismo medieval, a sexualidade era algo que os antigos podiam nos ajudar a escapar, ou, como Foucault com frequência pontuava, algo a partir do qual podemos pelo menos “pensar de outra forma”. Nós não devemos libertar nossa sexualidade mas libertar a nós mesmos de todo esse sistema confessional que fez surgir essa libertação baseada na sexualidade. 

Não seria injusto dizer que durante os anos 60 Foucault participou da obsessão de um certo tipo de filosofia francesa em tirar fora o “subject” [em inglês “sujeito” mas também “objeto” de pesquisa ou “assunto”], um termo estranho que é tanto técnico quanto obscuro. Rejeitar o sujeito (o “self”), anunciar sua morte ou a morte da autoria, se tornou coisa comum no discurso e na teoria literária de Foucault, Barthes, Derrida e companhia. Nos anos 70, o “sujeito” foi explicado não apenas como um tipo de ficção dos pronunciamentos das ciências sociais e comportamentais, mas como resultado da aplicação de tais pseudociências dentro do que estadunidenses como Erving Goffman chamavam de “instituições totais” do asilo; o hospital, a escola e, acima de todas, a prisão.

O escândalo do trabalho de Foucault sobre prisões (Vigiar e Punir, 1975), por exemplo, foi a sua substituição da ideia de que elas [prisões] podem deformar e brutalizar o sujeito humano, pela alegação de que em sua busca por maior humanismo elas fabricavam os próprios sujeitos que dominavam e subjugavam.

Depois de suas experiências na California e sua exposição ao “culto californiano do self”, entretanto, o “subject” de Foucault se tornou livre, um agente ativo capaz de fazer-se através de exercícios físicos e espirituais, e com o potencial para a autotransformação radical por meio das experiências extremas. “Fazer do ‘princípio do prazer’ um ‘princípio de realidade’ é um problema ético e político a ser resolvido na atualidade”, escreveu Foucault para Wade. Nesse sentido, engajar-se em aventuras eróticas, experimentos psicotrópicos e na “invenção” de novos estilos de vida tornou possível a transgressão do sujeito padronizado produzido pelas instituições do moderno “welfare state”. Pra colocar isto em termos de neoliberais estadunidenses, Foucault fazia a leitura na época: o “empreender do ‘self’” estava tendendo a colocar sua própria identidade em risco no ato da “self-criação”.

(esta tradução será publicada de maneira impressa e com outra diagramação na Transgressoar nº2 - tradução-transcriação-arte-comunicação, que sai ainda neste mês de julho)

[Tradução] Um Senhor Muito Velho Com Umas Asas Enormes - Gabriel Garcia Márquez (Colômbia)

  Um Senhor Muito Velho Com Umas Asas Enormes,   de  Gabriel Garcia Marquez   ( 1968)                                                   trad...