tradução, transcriação y artesanalidades. coletivo editorial independente na luta contra as estruturas coloniais î colonizantes. aqui se fazem impressos pela transformação da cultura
quarta-feira, 11 de agosto de 2021
[Tradução] Um Senhor Muito Velho Com Umas Asas Enormes - Gabriel Garcia Márquez (Colômbia)
sábado, 7 de agosto de 2021
[Tradução] Altazor (ou a viagem de paraquedas) - Vicente Huidobro (Chile)
ALTAZOR: UM POEMA DE VICENTE HUIDOBRO EM VII CANTOS, TRADUÇÃO DE GONZALO DÁVILA [publicação em série - nº 1]
Prefácio:
Nasci aos trinta e três anos, no dia da morte de Cristo; nasci no Equinócio, sob as hortênsias e os aeroplanos de calor.
Tinha eu um olhar profundo de pardal, de túnel e de automóvel emotivo. Lançava suspiros de acrobata.
Meu pai era cego e suas mãos eram mais admiráveis que a noite.
Amo a noite, chapéu de todos os dias.
A noite, a noite do dia, do dia ao dia seguinte.
Minha mãe falava como a aurora e como os dirigíveis que estão prestes a cair. Tinha cabelos cor de bandeira e olhos cheios de navios distantes.
Numa tarde, peguei meu guarda-chuva e disse: “Entre uma estrela e duas andorinhas,” Eis aqui a morte que se aproxima como a terra à esfera que cai.
Minha mãe bordava lágrimas desertas nos primeiros arco-íris.
E agora o meu guarda chuvas cai de sonho em sonho pelos espaços da morte.
No primeiro dia encontrei um pássaro desconhecido que me disse: “Se eu fosse um dromedário eu não ia ter sede. Que horas são?” Bebeu as gotas de orvalho dos meus cabelos, me lançou três olhares e meio e se afastou dizendo: “adeus” com seu lencinho soberbo,
Por volta das duas horas daquele dia, encontrei um
belo aeroplano, cheio de caracóis e escamas. Buscava um canto no céu onde
proteger-se da chuva.
Ao longe, todos os barcos ancorados, na tinta da
aurora. De repente, começaram a desprender-se, um por um, arrastando como um
pavilhão pedaços da aurora incontestável.
Ao se porem em marcha os últimos, a aurora
desapareceu atrás das ondas desmesuradamente inflamadas.
Então ouvi falar o Criador. Sem nome, que é um
simples buraco no vazio, belo como o mais belo dos umbigos.
“Fiz um grande barulho e esse barulho formou o
oceano e as ondas do oceano.”
“Esse barulho irá sempre grudado nas ondas do mar e
as ondas do mar sempre irão grudadas nele, como os selos dos cartões postais.”
“Depois teci um longo barbante de raios luminosos
para costurar os dias um por um; os dias que têm um oriente restituído ou
legítimo, porém indiscutível.”
“Depois tracei a geografia da Terra e as linhas da mão."
“Depois bebi um pouco de conhaque (por causa da
hidrografia)."
“Depois criei a boca e os lábios da boca, para
aprisionar os sorrisos furtivos e os dentes da boca, para vigiar os palavrões
que nos chegam à boca."
“Criei a língua da boca que os homens desviaram de seu fim, fazendo-a aprender a falar... a ela, a bela nadadora, desviada para sempre de sua função aquática e puramente acariciadora.”
Meu guarda-chuva começou a cair vertiginosamente. Assim é a força da atração da morte e do sepulcro aberto.
Acredite, a sepultura tem mais poder que os olhos da amada. A sepultura aberta com todos seus imãs. E isso te digo a ti, a ti que quando sorri me faz pensar no começo do mundo.
Meu guarda-chuva ficou preso em uma estrela já
extinta que seguia teimosamente a sua órbita, como se ignorasse a inutilidade
de seus esforços.
E aproveitando essa pausa bem ganha, comecei a
preencher com pensamentos profundos as casas do meu
tabuleiro:
“Os poemas verdadeiros são incêndios. A poesia se
propaga por todas as partes, iluminando suas consumações com estremecimentos de
prazer ou de agonia.
“Se deve escrever em uma língua que não seja
materna.
“Os quatro pontos cardinais são três: o norte e o
sul.
“Um poema é uma coisa que será.
“Um poema é uma coisa que nunca é, mas que deveria
ser.
“Um poema é uma coisa que nunca foi, que nunca
poderá ser.
“Foge do sublime externo, se você não quer ser
esmagado pelo vento.
“Se eu não fizesse pelo menos uma loucura por ano,
eu ficaria louco.”
Pego meu guarda-chuva, e da borda da minha estrela
em marcha, me lanço à atmosfera do último suspiro.
Rodopio interminavelmente sobre as rochas dos
sonhos, rodopio entre as nuvens da morte.
Encontro a Virgem sentada em uma rosa, e ela me
fala:
“Olha minhas mãos: são transparentes como as
lâmpadas. “Você não vê esses fios de onde corre o sangue de minha luz toda
intacta?
“Olha minha aureola. Ela tem algumas varizes, o que
comprova a minha velhice.
“Sou a Virgem, a Virgem sem mancha de tinta humana,
a única que não foi feita pela metade, e sou a capitã das outras onze mil que
estavam na verdade por demais restauradas.
“Falo uma língua que preenche os corações segundo a
lei das nuvens comunicantes.
“Digo sempre adeus, e permaneço.
“Ama-me, filho meu, pois adoro a tua poesia e te
ensinarei proezas aéreas.
Tenho tanta necessidade de ternura, beija meus
cabelos, lavei eles esta manhã nas nuvens da aurora e agora quero dormir sobre
o colchão da neblina intermitente.
“Meus olhares são um arame no horizonte para o
descanso das andorinhas.
“Ama-me.”
Me pus de joelhos no espaço circular e a Virgem se
alçou e veio sentar-se em meu paraquedas.
Adormeci e recitei então meus mais belos poemas.
As chamas de minha poesia secaram os cabelos da
Virgem, que me deu obrigado e se afastou, sentada sobre sua rosa amolecida.
E eis-me aqui,
só, como o pequeno órfão dos naufrágios anônimos.
Ah, que belo...
que belo...
Vejo as
montanhas, os rios, as selvas, o mar, os barcos, as flores e os caracóis.
Vejo a noite e o eixo em que se juntam.
Ah, ah, sou
Altazor, o grande poeta, sem cavalo que coma alpiste, nem esquente sua garganta
com claro de lua, a não ser com meu pequeno paraquedas como um guarda-sol sobre
os planetas.
De cada gota de suor da minha testa fiz que
nascessem estrelas, as quais deixo a vocês a tarefa de batizar como a garrafas
de vinho.
Eu vejo tudo, meu cérebro está forjado nas línguas
de profeta, termômetro inchado até tocar os pés da amada.
Aquele que tudo já viu, que conhece todos os
secretos sem ser Walt Whitman, pois jamais tive uma barba branca como as belas
enfermeiras e os riachos gelados.
Aquele que ouve durante a noite as marteladas dos
moedeiros falsos, que são apenas astrônomos ativos.
Aquele que bebe o copo quente da sabedoria depois do
dilúvio obedecendo às pombas e que conhece a rota do cansaço, a espuma fervente
que deixam os barcos.
Aquele que conhece os armazéns de lembranças e as
belas estações esquecidas.
Ele, o pastor de aeroplanos, o condutor das noites
extraviadas e dos poentes adestrados em direção aos polos únicos.
Sua queixa é semelhante a uma rede bruxuleante de
aerólitos sem testemunha.
O dia se levanta em seu coração e ele desce as
pálpebras para fazer a noite do repouso agrícola.
Lava as mãos no olhar de Deus, e penteia seus
cabelos como a luz e a colheita dessas magras espigas da chuva satisfeita.
Os gritos se afastam como um rebanho sobre as
campinas quando as estrelas dormem depois de uma noite de trabalho seguido.
O belo caçador diante do bebedouro celeste feito
para os pássaros sem coração.
Sê triste como as gazelas diante do infinito e os
meteoros, tal qual os desertos sem miragens.
Até a chegada de uma boca inchada de beijos para a
vindima do desterro.
Sê triste, pois ela te espera em um recanto deste
ano que passa.
Está talvez no extremo da tua próxima canção e será
bela como a cascata em liberdade e rica como a linha equatorial.
Sê triste, mais triste que a rosa,
a bela gaiola de nossos olhares e das abelhas sem experiência.
A vida é uma viagem de paraquedas e não o que você
quer que seja.
Vamos caindo, caindo do nosso zênite ao nosso nadir
e deixamos o ar manchado de sangue para que se envenenem aqueles que venham
amanhã respirá-lo.
Adentro de ti mesmo, afora de ti mesmo, você cairá
do zênite ao nadir porque esse é seu destino, seu miserável destino. E de
quanto mais alto cair mais alto será o rebote, mais longa a sua duração na
memória da pedra.
Pulamos do ventre da nossa mãe ou da borda de uma
estrela e assim vamos caindo.
Ah meu paraquedas, a única rosa perfumada da
atmosfera, a rosa da morte, despencada entre os astros da morte.
Ouviram? Esse é o barulho sinistro dos peitos
fechados.
Abre a porta da sua alma e sai para respirar do lado
de fora. Você pode abrir com um suspiro a porta que um dia fechou o furacão.
Homem, eis aqui teu paraquedas maravilhoso como o vértigo* (O correspondente gramaticalmente correto seria “vertigem”, mas mantive a palavra “vértigo” do espanhol pela sonoridade).
Poeta, eis aqui teu paraquedas, maravilhoso como o
imã do abismo.
Mago, eis aqui teu paraquedas que uma palavra sua
pode transformar em parasubidas maravilhoso como o relâmpago que queria cegar o
criador.
O que esperas?
Mas eis aqui o segredo do Tenebroso que se esqueceu
de sorrir.
E o paraquedas espera amarrado na porta como o
cavalo da fuga interminável.
CONTINUA......
sexta-feira, 6 de agosto de 2021
O QUE É TRANSGRESSOAR?
a TRANSGRESSOAR [TRANSGRESSÃO + SOAR]
é uma revista de transcriação, tradução, arte e comunicação
surgida a partir do transpassar de dois projetos idealizadosmas não materializados:
uma coletânea de contos traduzidos
&
uma revista de artes visuais
- inspirades pelas revistas independentes de arte e literatura do passado e do presente, nós da Maracaxá víamos como necessário e possível a abertura de um novo caminho impresso, enquanto ainda iniciávamos as costuras e publicações de nossos primeiros livros, íamos pensando na propositura de uma re-vista da arte contemporânea, um lugar pra expressões que geralmente não víamos receber o devido espaço na literatura e na história impressa, por TRANSGREDIREM o status quo, a norma imposta, a colonização dos corpos e mentes, por refletirem, a fundo, e proporem algo ancestral ou novo, uma nova luz para iluminar a História e as estórias, um novo jeito de escrever, uma nova ou ancestral maneira de ver, sentir e viver as coisas. sonhávamos em circular uma revista que tivesse como cerne o exercício da tradução e o reavivar da importância das revistas independentes enquanto divulgadoras de gente nova, gente que instintivamente está escrevendo, desenhando, pintando, gravando e recriando a realidade desordenada em processos artísticos alquímicos, gente que está COMUNICANDO a realidade pela arte, que está começando a propor algo nesse sentido, a se reconhecer enquanto artista, ou que ainda só não teve a chance de publicar. Uma revista assim, entalhada na carne do mundo, de repente, pela urgência histórica de sua significação, há de se fazer acontecer..., pensávamos na época.
depois aconteceu que eu, Pedro, estava lendo, por acaso, numa mesma semana, o conto e o artigo de arte que eram a inspiração primordial para os 'projetos idealizados' ditos acima, parados que estavam em alguma gaveta da memória das gentes desta editora. Um senhor muito velho com umas asas enormes, de Gabriel Garcia Márquez e A Andromeda Negra, de Elizabeth McGrath. A solução para minha inquietude ao relembrar projetos desconexos, mas que traziam 'sensações estéticas' semelhantes, foi pensar em alguma publicação, algum conceito unificador que abarcasse essas duas traduções (uma dum texto de 1972 e a outra de 1992). Lancei a ideia pro pessoal e depois de muito pensar, estudar e conversar, relembramos daquela ideia antiga e estávamos decidides a articular e instigar o surgimento de uma revista impressa que abarcasse a multiplicidade dos meios de expressão artística, com uma alta diversidade de vozes, e que não fosse nem um pouco tradicional ou copiadora de qualquer fórmula já assimilada, que inventasse e reinventasse sempre seus métodos e sua cara, seu "trejeito" desde a tipografia na diagramação na escolha da fonte na técnica escolhida pra encadernar até o conteúdo nas relações entre as linguagens os temas, em suma, a proposta estética inteira da publicação que germinávamos deveria se propor a ser transgressora, inclusive em relação a si mesma. Como objeto e como conceito.
Daí para o nome foi um pulo, pois 't r a n s g r e s s o a r' já existia antes da revista, tendo sido escrita e pixada por mim, Pedra, em vários locais da cidade, como no Barracão de Teatro da Unicamp, ou no banheiro do terminal de ônibus do centro, e estávamos todes da editora na época, além de traduzindo muito, caminhando pelas vias da transcriação, tanto na arte (entrelaçando os formatos, recriando verves) quanto na existência (reeditando condutas, re-existindo verbos). Redigimos a partir daí uma chamada aberta, na qual explicitamos a postura de abrir espaço impresso para "vozes geralmente marginalizadas, arte decolonial, arte livre, traduções e comunicações artísticas de todas as áreas" em uma publicação artesanal.
Para nossa surpresa, muitas pessoas enviaram suas artes e reflexões. Tanto que, no fim das contas, acabamos não publicando a tradução inédita para o português da Andromeda Negra na Transgressoar 1, pois faltou espaço. Pode-se dizer que não houve uma 'curadoria', no sentido tradicional do termo. A quase totalidade das artes recebidas foi publicada. Buscamos construir uma "narrativa" no sentido de estabelecer uma continuidade apenas para ambientar quem lê e vê entre tantos universos de expressão, uma espécie de conversa estrutural, da revista com a pessoa, onde buscamos ressaltar a diversidade e não apagá-la. Não houve 'tema geral' ou limitações de qualquer natureza. A diversidade foi, num geral, uma constante. Pois não de outra forma o editorial desta edição, publicada em fevereiro deste ano, afirma: a transgressoar sempre será um espaço de expressão de novas epistemologias e desconstrução de condutas e ideias retrógradas, conservadoras, e também um espaço para o encontro e a troca, a subversão y a igualdade, a soma e o dialogo livre, a construção e a desconstrução artística, enfim, um espaço aberto para o criar, o existir, o traduzir, o transcriar, o reivindicar transformador
(;;;)
esta revista é uma maneira de registrar uma parte dessa
informação-movimentoevolução-transformar que está
acontecendo perante nossos olhos e da qual somos geratriz
da criação, queira-se ou não queira-se
A materialização da Transgressoar um trouxe tanta alegria e tanto aprendizado para nós e tantas outras gentes que pouco depois já começamos à editar a Transgressoar dois, com alguns textos que não couberam na primeira edição e outros recebidos depois. Ela deve sair na semana que vem.
Uma publicação bem diferente da anterior
pois a transgressoar transgrediu-se
Agora, este texto, definitivamente, não responde a pergunta: O que é Transgressoar? Esta ainda é uma pergunta que não sei responder...
Logo logo, este mês ainda, será publicada a Transgressoar 2. Depois disso disponibilizaremos a Transgressoar 1 para download gratuito, e no futuro, talvez (tudo indica que sim), uma audiodescrição dela, aberta pra toda gente. Por enquanto, dá pra ver mais sobre ela aqui:
https://www.instagram.com/editoramaracaxa/
capa da Transgressoar 2 mostra os destroços de um depósito de pinturas que pegou fogo
a queima de museus e acervos culturais tem sido coisa comum no Brasil
é um projeto, parece
'Um senhor muito velho com umas asas enormes' foi publicado na Transgressoar 1.
A tradução inédita para o português de 'A Andromeda Negra' será publicada na Transgressoar 2
Este relato faz parte de uma série de relatos que se propõem a falar sobre as atividades da Maracaxá
[Tradução] Um Senhor Muito Velho Com Umas Asas Enormes - Gabriel Garcia Márquez (Colômbia)
Um Senhor Muito Velho Com Umas Asas Enormes, de Gabriel Garcia Marquez ( 1968) trad...
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a TRANSGRESSOAR [TRANSGRESSÃO + SOAR] é uma revista de transcriação, tradução, arte e comunicação surgida a partir do transpassar de ...
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CATALOGO ATUALIZADO (abril 202 1) ~todas as publicações são impressas, costuradas e encadernadas artesanalmente~ https://editora-maracaxa....
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